Precisamos falar de Itaipu

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Tomaz Espósito Neto*

Enquanto os cadernos internacionais dos jornais brasileiros exibem notícias sobre as enchentes na Alemanha e os desdobramentos do litigio judicial entre a cantora norte-americana, Britney Spears e o seu pai, nenhuma linha é dedicada s negociações brasileiro-paraguaias, as quais seguem em curso, sobre a revisão do Anexo C do Tratado de Itaipu (1973). Isso é grave! O “silêncio ensurdecedor” da elite político-econômica e intelectual do país ameaça a segurança energética nacional, cujas consequências podem ser gravíssimas à sociedade brasileira.
Brasil e Paraguai são sócios equânimes de Itaipu Binacional, cujo valor patrimonial foi estimado em USD 17,4 bilhões de dólares em 2019. As vinte turbinas da segunda maior hidroelétrica do mundo produziram cerca 76.382 GWh em 2020. Ademais, são responsáveis pela provisão de aproximadamente de 10,8% do consumo do mercado energético do Brasil e por volta de 88,5% da energia utilizada pelo Paraguai.
Sem Itaipu, um “apagão” energético é uma realidade, capaz de destruir, grande parte, do tecido produtivo nacional. Ademais, as elevadas tarifas de eletricidade brasileira subiriam ainda mais, com reflexos diretos na economia, na inflação e nas condições de vida da população. Afinal, a sociedade moderna é totalmente dependente de energia elétrica.
Recentemente, a Controladoria Geral da República do Paraguai, por exemplo, divulgou um estudo, amplamente difundido no Paraguai, o qual acusa o Brasil de descumprir os termos do Tratado de Itaipu (1973) ao comprar a energia abaixo do preço entre 1985 e 1997 e, com isso, de gerar uma dívida de mais de 4 (quatro) bilhões de dólares. Destarte, o Brasil deixaria de ser credor para ser devedor do Paraguai.
No caso em tela, as autoridades paraguaias parecem não ter ponderado devidamente para os alguns fatores. Em primeiro lugar, a energia de Itaipu estava, à época, acima do preço de mercado brasileiro, seja pela queda do consumo em função da grave crise econômica das décadas de 80 e de 90, seja pela política de congelamento tarifário do governo federal, ou ainda, pela entrada em funcionamento de hidroelétricas das empresas públicas estaduais.
Em segundo lugar, o Brasil e o Paraguai são obrigados, pelo Tratado de Itaipu (1973), a adquirir toda energia gerada pela barragem. Cada um, tem direito a metade da energia produzida. Caso um sócio não possa consumir a eletricidade a que tem direito, o outro tem a preferência, mas não a obrigatoriedade, de utilizar, por meio da cessão remunerada, a energia disponível.
No caso em questão, o Paraguai não foi capaz de absorver a energia de Itaipu. Somente o mercado brasileiro poderia absorver a energia paraguaia excedente. Dessa feita, a Direção de Itaipu, composta por representantes brasileiros e paraguaios, acordaram em vender a energia abaixo do custo de produção ao mercado brasileiro. Se de um lado, esta decisão teve reflexos na dívida de Itaipu Binacional. De outro, impediu que o Paraguai de arcar com o custo de uma energia que não seria utilizada em seu território.
Em terceiro lugar, a questão tarifária foi a principal justificativa para a renegociação da dívida de Itaipu, em 1997, durante os governos, democraticamente eleitos, Fernando Henrique Cardoso no Brasil, e Juan Carlos Wasmosy no Paraguai. Novamente, o erário brasileiro arcou com a maior parte das despesas desse refinanciamento.
Não obstante, a construção da barragem de Itaipu foi feita por meio do endividamento externo. Os termos do endividamento foram extremamente favoráveis ao Paraguai, pois o Estado Brasileiro, por meio da Eletrobrás, captou recursos internacionais a juros variáveis e financiou, de forma subsidiada e a juros fixos (6% ao ano), a parte paraguaia. Isto ocasionou uma série de distorções. Por exemplo, durante a crise da dívida da década de 1980, o Estado brasileiro captou empréstimos com taxas de 21% ao ano, e emprestou ao Estado paraguaio a taxas de 6% ao ano. Toda a diferença foi, e ainda é arcada pelo contribuinte brasileiro.
Outrossim, o Estado brasileiro deu todas garantias aos empréstimos, seja pela dolarização da tarifa de energia, seja pela obrigatoriedade da compra de toda energia de Itaipu oferecida ao mercado brasileiro. Em decorrência dessas obrigações e da volatilidade cambial, o valor da tarifa encareceu e ampliou, em grande medida, a crise das empresas de geração elétrica estaduais, como a Eletropaulo, nas décadas de 1980 e 1990.
Em quarto lugar, caso seja comprovada corrupção em Itaipu, o Estado brasileiro é vítima e não cúmplice. Afinal, o contribuinte brasileiro foi, e ainda é, o maior financiador das atividades de Itaipu. Outrossim, infelizmente, não é mais possível levar a justiça esta questão, pois os crimes prescreveram. Muito dos corruptores e dos corrompidos estão mortos. Portanto, a reparação material e criminal, embora desejável, é improvável.
Por fim, a despeito do Tratado de Itaipu ter sido negociado durante a vigência de regimes militares nos dois Estados, governos democráticos fizeram alterações e mudaram a interpretação de cláusulas do pacto. Outrossim, não se pode alterar um acordo bilateral, de forma unilateral, pois a base do direito internacional é bona fide (boa fé) do Estado para gerar previsibilidade político-jurídica nas relações internacionais.
Até o momento, nenhuma autoridade brasileira respondeu as acusações paraguaias. Por ora, o silêncio e a omissão podem ser cômodos, mas, certamente, são muito mais arriscados, como a história recente do país demonstra.

*Docente da Universidade Federal da Grande Dourados. Atualmente, realiza Estágio Pós-doutoral na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME)

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