Catanduvas, Sistema Penitenciário Federal e Pacote Anticrime: legados para o Brasil

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Dia 23 de junho de 2020 marca os 14 anos da inauguração do Presídio Federal de Catanduvas, localizado no interior do Estado Paraná, região Oeste, dentro da faixa de fronteira do Brasil. Foi a primeira das hoje cinco unidades prisionais administradas pelo Governo Federal. As demais são: Campo Grande/MS, Porto Velho/RO, Mossoró/RN e Brasília/DF.

Mas para falar sobre o Sistema Penitenciário Federal, braço operacional do Departamento Penitenciário Nacional, subordinado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, é preciso retroceder a março de 2003. Naquele mês, no dia 14, o então Juiz da Execução Penal de Presidente Prudente/SP, José Antonio Machado Dias, foi assassinado por criminosos do PCC. Dias após, no dia 24, em Vila Velha/ES, o Juiz Criminal Alexandre Martins de Castro Filho foi morto.

Também em março de 2003, o governo federal editou a medida provisória nº 110/2003 que criou 500 cargos de Agentes Penitenciários Federais, vinculados inicialmente à Polícia Federal.

Havia ainda outras justificativas relevantes para o governo federal ingressar na importante seara da gestão efetiva e estratégica de unidades prisionais: desde 2001 com a prisão de Luis Fernando da Costa, vulgo “Fernandinho Beira-Mar”, aumenta a preocupação sobre dispor de uma unidade federal para custódia de presos de alta periculosidade. “Beira-Mar” era transferido regularmente entre unidades da Polícia Federal e dos Estados até ser o primeiro preso a ser custodiado no Presídio Federal de Catanduvas em junho de 2006. Em 2002 uma megarrebelião, comandada pelo PCC em São Paulo demonstrou a necessidade de ações mais incisivas contra a criminalidade organizada.

Mas o sistema penitenciário federal, um cárcere mais severo, com celas individuais, rotinas rígidas e distantes dos grandes centros urbanos nasceu com dois problemas normativos sérios: permissão de visitas íntimas e contato físico de visitantes. As autorizações decorriam de normas emitidas pelo Ministério da Justiça à época da criação das unidades e só foram revertidas após muito trabalho de convencimento e, infelizmente, com perdas de vidas e crescimento do crime organizado no Brasil. A situação só foi resolvida definitivamente em 2019.

As visitas íntimas só foram suprimidas em 2017, com a publicação da portaria nº 718, de 28 de agosto daquele ano pelo então Ministro da Justiça e Segurança Pública Torquato Jardim. A supressão, já defendida tecnicamente anos antes, foi uma reação jurídica ao brutal assassinato cometido por membros do PCC da psicóloga Melissa Almeida em maio de 2017. Antes o PCC tinha executado os Agentes Alex Belarmino, em setembro de 2016, e Henry Gama em abril de 2017.

Visitas íntimas são incompatíveis com regimes prisionais severos para lideranças do crime organizado. Não há visitas íntimas no regime do cárcere duro italiano e nas “supermax” norte americanas. As autoridades brasileiras, infelizmente, demoraram para perceber e agir sobre essa regalia que ainda hoje é vista por alguns como direito.

Mesmo com o fim das visitas íntimas a questão do contato físico nas unidades prisionais federais continuava sendo um problema grave de segurança, pois, semanalmente haviam as visitas sociais que consistiam no encontro de presos com seus parentes em pátios internos das unidades federais. Com efeito, durante esses momentos de convívio social dos presos com seus familiares, mensagens verbais eram transmitidas no afã de manter o comando das organizações criminosas por alguns custodiados.

Em 2019, com a nomeação do então Ministro Sergio Moro para o comando do Ministério da Justiça e Segurança Pública e com a experiência anterior dele como Juiz Corregedor do Presídio Federal de Catanduvas passou-se a trabalhar com uma norma que restringisse as visitas sociais para parlatórios, com monitoramento de áudio e vídeo como ocorre habitualmente em outros países como Itália, onde desde 1992, como um das reações ao brutal assassinato do Juiz Giovanni Falcone, aprimorou-se o regime denominado “cárcere duro”.

Assim, no dia 13 de fevereiro de 2019, foi publicada pelo Ministro da Justiça e Segurança Pública Sergio Moro a portaria nº 157 que, ao disciplinar as visitas sociais nos presídios federais brasileiros, adotou o impedimento do contato físico entre visitantes, instituindo que a regra fosse doravante a utilização de parlatórios. A data também marca a primeira fase da operação imperium, de transferência das principais lideranças do PCC de São Paulo para os presídios federais, que mobilizou forças de segurança dos Estados e do Governo Federal, bem como forças armadas e inteligências.

Após, com a aprovação parcial do “pacote anticrime” através da lei nº 13.964 de 24 de dezembro de 2019 incorporou-se finalmente em lei o término da visitação com contato físico nos Presídios Federais e estabeleceu-se o prazo de até 3 anos como prazo máximo de permanência inicial no Sistema Penitenciário Federal, vez que o prazo anterior de apenas 360 dias era insuficiente para aferir a quebra de vínculos do preso com a organização criminosa.

O Sistema Penitenciário Federal, desde Catanduvas há 14 anos, passou a ser um grande alicerce para a segurança pública nacional. Para exemplificar a importância do Sistema Federal basta imaginar onde estariam custodiados seus presos se não existissem os presídios federais. Foram nos presídios federais, a partir do trabalho dedicado de seus servidores e da atuação convergente do Judiciário e Ministério Público, dentre outros atores, que se intensificaram as videoconferências judiciais, a inteligência penitenciária e foram criadas as visitas virtuais e a remição pela leitura por exemplo.

O legado da aprovação do pacote anticrime na parte penitenciária, mesmo sem a aprovação da proposta de aperfeiçoamento das videoconferências, por exemplo, foi e será decisivo para a redução do poder das organizações criminosas no Brasil. O trabalho exercido com seriedade pelos Policiais Penais Federais, Estaduais e Distritais e a sinergia entre os sistemas prisionais é a síntese e o caminho para um país mais seguro.

Vida longa ao Sistema Penitenciário Federal!!!

Fabiano Bordignon é Professor e Delegado de Polícia Federal. Foi Diretor do Presídio Federal em Catanduvas (2009-2011 e 2012-2013) e Diretor-Geral do Departamento Penitenciário Federal de Janeiro de 2019 a Maio de 2020.

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