Tecnologia em benefício do jurisdicionado: a magistratura em tempos de Pandemia

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Atribui-se ao filósofo e pensador helenista Epicuro de Samos o adágio de que “Os grandes navegadores devem sua reputação aos temporais e tempestades.”.

Passamos por um destes momentos.

Para muitos, sinônimo de angustia, de tristeza e pânico. Contudo, como já se sabia desde a Grécia Antiga, alguns dos maiores saltos evolutivos da sociedade vieram da adversidade. A necessidade cria a oportunidade, e na dificuldade há sempre duas opções: padecer ou crescer.

A Magistratura Paranaense escolheu a superação.

Os números já impressionam: 136% de eficiência, muito superior à Meta 1 do Conselho Nacional de Justiça, que exige tão somente que o número de processos arquivados seja superior ao de processos novos. Estamos, portanto, 36% acima da média.

Fosse pouco, a magistratura paranaense foi muito além dos números. Esmerou-se e foi em busca do resultado concreto, assumindo o protagonismo. Com o uso da tecnologia, com processos virtuais e a utilização da videoconferência, o Judiciário não parou.

São muitos os exemplos.

A Juíza Mônica Fleith, da 3ª Vara Criminal de Maringá, relata terem sido realizadas dezessete audiências em ambiente totalmente virtual, entre 23 de março e 8 de abril, com a inquirição de 52 pessoas, sendo 20 policiais militares, 5 policiais civis, 2 guardas municipais, 6 vítimas, 6 testemunhas de acusação e/ou defesa e 13 interrogatórios.

Em Foz do Iguaçu, o Juiz Marcos Antônio Souza de Lima, titular do 3º Juizado Especial Cível, valeu-se do “Fórum de Conciliação Virtual”, integrado ao Sistema PROJUDI, e manteve o andamento de sua unidade através da realização de aproximação virtual das partes para tratativas conciliatórias, em substituição às audiências presenciais, momentaneamente suspensas. Em apenas dois dias, 110 processos foram movimentados.

Na área da Infância e Juventude, a Juíza Noeli Reback, de Ponta Grossa, fez uso da ferramenta de teleconferência para acompanhar procedimento de entrega de um bebê aos pais adotivos, evitando que ficasse abrigado por tempo indeterminado, sendo que seus pais já lhe aguardavam ansiosos.

Preocupado com as dificuldades da própria equipe, o Juiz Carlos Eduardo Mattioli Kockanny da Vara de Família, Infância e Anexos da Comarca de União da Vitória, criou o projeto “Cuidando de Quem Cuida”, para, por meio de plataforma online não invasiva, permitir o contato dos servidores com a psicóloga do Serviço de Apoio à Infância, a fim de prevenir a degradação do ambiente de trabalho e adoecimento da equipe, isolada pela pandemia.

Na Capital, a Juíza Luciana Fraiz Abrahão da 5ª Vara Criminal ressalta com otimismo a manutenção das atividades, a despeito das dificuldades. Relata presidir as audiências normalmente por videoconferência, os réus ouvidos diretamente das unidades prisionais, orientando a equipe que entrasse em contato com as partes e testemunhas para o acesso virtual a partir de seus próprios smartphones.

E quando a tecnologia não colabora, sobra criatividade e boa vontade. O Juiz Hermes da Fonseca Neto, da 1ª Vara Criminal de Colombo, realizou videochamada através do “WhatsApp” para a testemunha, e filmou a tela do smartphone com a câmera acoplada ao computador.

A Juíza Jéssica Valéria Catabriga Guarnier, da Vara Criminal de Cambé, também diante de problemas apresentados pela plataforma de videoconferência contratada pelo Tribunal de Justiça, adotou outra ferramenta, o “Zoom”, mantendo as audiências pautadas, sem deixar que os problemas atingissem o jurisdicionado.

Policiais Militares são ouvidos como testemunhas a partir de seus smartphones pessoais, por vezes de suas casas, batalhões, companhias, ou até dentro das viaturas, durante o trabalho.

Durante este momento de dificuldades para todos, a magistratura paranaense, mais uma vez, demonstrou sua capacidade de adaptação, com o aumento da produtividade que já se encontrava entre as maiores do país, tamanho o respeito e a preocupação com as necessidades do jurisdicionado. Somente durante o período declarado como de pandemia, entre os dias 13 de março e 8 de abril desse ano, a magistratura paranaense prolatou 290.002 despachos, 241.485 decisões e 108.416 sentenças e acórdãos, totalizando 639.903 atos jurisdicionais praticados nos processos virtuais em trâmite no judiciário do Paraná.

Mais do que números, precisamos continuar na vanguarda para a realização dos atos presenciais por videoconferência. O manejo tecnológico das ferramentas disponibilizadas exige a aquisição de novos conhecimentos, desafio de pequena monta para nossas juízas, juízes, desembargadores e desembargadoras, capacitados e comprometidos.

Para além da mera participação nos atos virtuais, é necessário trabalhar para a conscientização de todas as pessoas envolvidas, partes, advogados, testemunhas, órgãos de segurança, quanto à necessidade de que também façam sua parte, seu esforço, para que as audiências aconteçam.

Vale mencionar que, na seara criminal, as partes não podem recusar a participação por videoconferência, em vista da previsão legal expressa no art. 185, §2º, IV do Código de Processo Penal, que autoriza a realização do ato telepresencial para atender a graves situações de ordem pública, como ora ocorre. Há, inclusive, sanções em caso de recusa injustificada (arts. 206/219/265/do CPP).

Na área cível, da mesma forma, cabe aos advogados a intimação das partes (art. 455 do CPC), e nada obsta que se determine a intimação (que pode ser por meios eletrônicos) para comparecimento puramente virtual, em vídeo, para a realização de audiências de natureza cível, sobretudo as urgentes. Além disso, o art. 139, IV do CPC autoriza a adoção de todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias ao cumprimento da ordem judicial, sem prejuízos das regras de preclusão e suas consequências no âmbito material. É necessário, neste momento, incitar às partes a telepresença, textualmente autorizada no art. 236, §6º do CPC.

Mesmo a indisponibilidade de meios tecnológicos, tais como “smartphone” ou “plano de internet” não inviabilizará a participação, pois a ferramenta Cisco WebEx Meetings, disponibilizada pelo Conselho Nacional de Justiça, permite a participação na reunião virtual por chamada telefônica comum, que pode ser empregada como derradeiro recurso.

Os mandados urgentes continuarão a ser cumpridos como determinado no Decreto Judiciário nº 172/2020. Sem prejuízo, e diante do período de excepcionalidade, nada obsta a determinação de que as intimações sejam feitas também por via remota e menor formalidade, através de aplicativos de mensagens, telefonemas e outros meios de comunicação.

Há notícias de que a demanda por salas de videoconferência em unidades prisionais, surgida do dia para a noite, não pode ser integralmente atendida, e não foi possível apresentar todos os interrogados para a participação nos atos simultaneamente para todos os Juízos. Com o decorrer do tempo, tais dificuldades serão mitigadas e, ainda que com algum atraso, é possível ajustar a realização do ato e manter contato aberto com os intervenientes no processo para orientações em tempo real. O Tribunal de Justiça do Paraná tem colaborado e entregou para as unidades prisionais dezenas de computadores para a realização das reuniões virtuais.

O momento é de fazer acontecer e superar as dificuldades, como se viu nas experiências relatadas, sempre com prudência, inteligência e protagonismo.

O trabalho da magistratura não parou. Está diferente. E isto vale para todos os que, de algum modo, hoje interagem com o Poder Judiciário. Ministério Público, Servidores, Policiais, Oficiais de Justiça, testemunhas, Advogados, enfim, todos irão colaborar para que haja continuidade das audiências e dos processos judiciais. Dificuldades existem, mas serão superadas pela inovação e capacidade de resolução de problemas que sempre permeou a atividade jurisdicional.

A missão nos foi dada e será cumprida com maestria e resultados positivos que, certamente, ficarão para o futuro.

Por Sérgio Bernardinetti e Geraldo Dutra de Andrade Neto

Sérgio Bernardinetti é diretor de Tecnologia de Informação da Associação dos Magistrados do Paraná – AMAPAR e Diretor de Informática da Associação dos Magistrados Brasileiros, Juiz de Direito Substituto da 4ª Vara Criminal do Foro Central da Comarca da Região Metropolitana de Curitiba-Pr.

Geraldo Dutra de Andrade Neto é Presidente da Associação dos Magistrados do Paraná – AMAPAR, Secretário de Relações Internacionais da Associação dos Magistrados Brasileiros – AMB, Secretário-Geral da Federação Latino-Americana de Magistrados – FLAM e Secretário-Executivo da União Internacional dos Juízes de Língua Portuguesa – UIJLP, Juiz de Direito da 1ª Vara Cível da Comarca de Foz do Iguaçu-Pr.

Fonte: https://www.bemparana.com.br/noticia/tecnologia-em-beneficio-do-jurisdicionado-a-magistratura-em-tempos-de-pandemia#.XqgWWshKjWW

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